Este texto trata-se de um conto ficcional inspirado num caso real
Chamo-me Catarina, tenho 33 anos. O Guilherme foi o meu primeiro namorado, o grande amor da minha adolescência. Eu tinha 15 anos quando começámos a namorar. Ele era o miúdo mais giro da escola, o destaque do liceu. Jogava rugby, tinha um sorriso fácil e uma energia que atraía todos à volta. Eu ia vê-lo treinar, ficava nas bancadas a torcer, de jardineiras e de ténis, cabelos compridos e a primeira maquilhagem, como se a minha presença fosse necessária para lhe dar força.
A minha irmã Inês era três anos mais nova do que eu. Naquela altura, ainda era quase uma criança, meio desengonçada, pernas muito finas, dentes grandes, um ar anguloso. Nunca pensei que um dia ela fosse entrar na minha história com o Guilherme.
Eu era louca por ele. Amava-o com toda a intensidade que só se tem aos 15 anos. Ele também gostava de mim, eu sei, mas tinha uma paixão enorme pelo rugby e pelos amigos. Divertia-se muito, era popular, estava sempre rodeado de gente. Ainda assim, eu acreditava que éramos nós dois contra o mundo. Falava-se já em casamento quando fomos para a universidade. Eu tinha a certeza absoluta: queria ficar com ele para sempre.
Mas depois começaram os sinais. Pequenos, quase invisíveis. O tempo foi passando e a Inês foi crescendo. Deixou de ser a rapariga angulosa e insegura, e foi-se transformando numa jovem bonita, com uma energia que chamava atenção. Comecei a reparar nos olhares, nas brincadeiras cúmplices entre ela e o Guilherme. Ele chamava-lhe “maninha” em tom de piada, mas havia ali algo escondido, uma intimidade que me incomodava. Eu tentava afastar esses pensamentos, dizia a mim mesma que estava a ser paranoica. Mas a tensão era real.
O Guilherme acabou comigo no primeiro ano da faculdade. Disse-me que queria dedicar-se aos estudos, que precisava de espaço, de tempo para se encontrar. Eu ouvi aquelas palavras como se fossem uma sentença. Senti o chão fugir-me dos pés. Chorei noites inteiras.
Mas, por fora, fingi-me forte. Ele tinha sido tudo para mim e, de repente, eu era… nada. A vida avançou — verão, outono, inverno e de novo primavera — as estações passaram por mim como quem passa por uma janela fechada. Eu respirava, estudava, saía à noite, ria até, mas por dentro era só ausência. Fui sabendo dele, aqui e ali, ecos que chegavam através dos amigos em comum, porque ainda nos movíamos nos mesmos círculos. E cada vez que o nome dele surgia, sentia um aperto seco no peito, como se uma parte de mim recusasse aceitar que a história tinha acabado.
Dois anos depois, descobri que ele estava a sair com a Inês. A minha irmã mais nova. Lembro-me da sensação exata: primeiro um choque frio, depois uma dor surda, como se me tivessem arrancado alguma coisa de dentro. Eu nunca o tinha esquecido. Mas sorri, fingi que estava tudo bem. O papel da irmã mais velha forte e indiferente. Era isso ou expor a ferida, e eu não queria dar-lhes esse poder.
Acompanhei à distância o namoro deles, entretanto fui para Barcelona em Erasmus. Era como observar um acidente em câmara lenta. Via-os felizes, cúmplices, e cada vez que isso me entrava pelos olhos dentro, eu engolia em seco. Dizia a mim mesma: “passou, já não te dói.” Mas doía. Sempre doeu. E esperava que acabasse. Só que não acabou. Nesta dinâmica, era ele quem queria tudo: queria a Inês, queria casar com a Inês, queria tudo com a Inês.
E assim, com muita surpresa minha, houve um pedido de casamento ao pôr do sol, um anel de noivado antigo, os nossos amigos histéricos de felicidade, aplaudindo como se assistissem ao final perfeito de um romance. Eu, ao fundo, a sorrir, quase a acreditar no papel que tinha de desempenhar: a irmã mais velha feliz pela sorte da mais nova.
A Inês perguntou-me, séria: “tu não sentes nada por ele, certo?” E eu fazia que sim com a cabeça. “Que disparate”, acrescentava. Fui com ela às provas do vestido. Era um vestido lindo, com véu e renda da nossa avó. Ela estava magnífica. Organizei a despedida de solteira em Formentera. E parecia que estava num sonho do qual não conseguia acordar. Eles casaram em junho. A Inês estava linda. Ele parecia que tinha ganho a lotaria. O meu Guilherme.
Vieram as piadas: “a irmã mais nova já casou, vais ficar para tia?” Aquilo dava-me raiva. Num ápice conheci o Miguel. Num ápice casámos. Num ápice resolvi tudo. Mas o meu coração não assentava, andava sempre a rondar o Guilherme.
O Guilherme jogava cada vez menos rugby, preferia passar o tempo em casa com a Inês, desfrutando de uma vida aparentemente perfeita, cheia de estabilidade e rotina. Mas depois vieram as gravidezes da Inês, difíceis e exaustivas. Meses inteiros de cama, incapaz de se mexer, reagindo mal à maternidade, chorando, afundada numa depressão silenciosa. Dois filhos de seguida, numa maratona de mais de três anos, e eu observava tudo de longe, sentindo o brilho escapar dos olhos dele. Onde estava a miúda doce e radiante com quem ele tinha casado?
Vi ali a minha oportunidade. Numas férias no Alentejo, todos juntos, rodeados pelo calor do verão e o silêncio cúmplice da noite, aproximei-me dele. Usei biquínis provocantes, ria-me alto, transbordava força e despreocupação — e percebia o olhar dele a seguir-me, preso em mim. “Maninha”, dizia ele, agora só para mim. Confesso: não pensei na Inês. Não pensei no Miguel. Pensei apenas em mim, no desejo antigo e magoado que ainda ardia em mim. Quando o tive nos braços, o mundo desapareceu. Cada dor, cada ausência, cada noite de lágrimas e solidão evaporou-se num instante. O coração disparava, a respiração misturava-se com a dele, e senti-me inteira, viva, perigosa de tão intensa. Foi o êxtase, não apenas do corpo, mas da alma, uma explosão de tudo o que tinha reprimido e desejado durante anos.
Ele afastou-se depois de dois ou três encontros, consumido pela culpa, pelo peso de ter cruzado linhas que nunca devia ter cruzado. E eu fiquei ali, dividida entre o triunfo do desejo satisfeito e a consciência da destruição silenciosa que deixámos para trás. Sentia-me vingada, sim, mas também vulnerável, consciente de que nada podia apagar as marcas que aquela escolha deixaria.
E agora… aqui estou. Grávida. Do homem que foi o meu primeiro amor, aquele que marcou para sempre a minha adolescência e a minha paixão. Do homem que, há anos, é marido da minha irmã. Uma vida inteira de escolhas e consequências condensada num único instante — e eu, no meio dela, a tentar entender como seguir em frente quando tudo se tornou impossível.
Este conteúdo contou com a participação de inteligência artificial na sua elaboração.