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OPINIÃO | E Jesus? Achas que cheirava bem?

"O olfato apurado de um líder poderá também torná-lo mais atento aos que precisam de ser ajudados"

Diogo Alarcão, gestor
22 out 2023, 09:00
Por Diogo Alarcão, gestor Foto: Link to Leaders
Por Diogo Alarcão, gestor Foto: Link to Leaders

Quem me conhece pessoalmente, sabe que uso óculos. Aliás, já nem me lembro quando os comecei a usar, mas recordo-me que era um jovem com borbulhas, buço, bastante cabelo e acne. Hoje já não tenho nenhum desses atributos, mas a natureza encarregou-se de me compensar com um excelente olfato e audição apurada.

Recordo-me que, quando trabalhava em open space, gostava de embaraçar colegas que tinham conversas a distâncias supostamente prudentes. Não me lembro de ter ouvido falar mal de mim (certamente que o fizeram… quem não?), mas lembro-me de conversas mais ou menos interessantes que exigiam alguma disciplina da minha parte para as não ouvir porque não me diziam respeito e/ou porque me dificultavam a concentração. Para além da audição, sou também muito sensível aos cheiros, sejam eles bons ou maus. Incomoda-me um perfume que não gosto ou uma sala mal arejada. Fico maldisposto e torno-me desagradável para os outros. Posso mesmo ficar intolerante e irritadiço.

Partilhei estas irritações com um velho amigo, que me conhece há muitos e bons anos, que me respondeu com uma pergunta simples: “E Jesus? Achas que cheirava bem?” Para além da gargalhada que me provocou, fez-me pensar. De facto, preferimos sempre o perfume ao mau cheiro, o agradável ao desagradável, o conforto ao desconforto…

É curioso verificar que estes comportamentos acontecem também nas empresas e organizações. Tendemos, como líderes ou membros de uma equipa, a procurar o perfume do sucesso, o aroma das tarefas mais simples, o bálsamo das vitórias (nossas ou dos outros) e a fragrância do status quo. Não sendo isso mau, creio que não nos devemos deixar ficar por aí. Porquê? Porque nem tudo nas organizações “é um mar de rosas” (perfumadas). Porque nem todas as pessoas têm a capacidade, a oportunidade ou a graça de “cheirar bem”.

É, pois, necessário estarmos atentos aos “odores menos agradáveis” que nos incomodam e que tendemos a evitar. Em sentido literal esses odores são fáceis de afastar: basta abrir a janela (nos escritórios em que tal ainda é possível…). Mas, quando se trata de “odores” que refletem uma cultura doente, uma dificuldade que se perpetua, um problema que persiste é necessário enfrentá-los de frente, com coragem e sem máscara. O Papa Francisco, no início do seu pontificado, apelava aos bispos (ele incluído) a serem como o pastor que às vezes vai à frente, outras no meio das ovelhas e tantas vezes atrás sentindo o cheiro do rebanho. Também um líder deve sentir o “cheiro” do seu rebanho, da sua organização, das suas equipas. Ir atrás e no meio ajuda-nos mais do que ir à frente. Quem me conhece, sabe que sempre gostei mais de estar e trabalhar junto das equipas do que dar instruções a partir de cima. Acredito que este estilo de liderança ajuda a sentir o “cheiro” das minhas equipas.

Mas, o olfato apurado de um líder poderá também torná-lo mais atento aos que precisam de ser ajudados porque estão desenquadrados, têm mais dificuldades ou são menos autónomos. O líder que prefere o “bom perfume”, e eu tantas vezes o faço, fica mais distante, intolerante, inflexível e precipitado face aos que não “cheiram” como ele. Temos, pois, que trabalhar o nosso “olfato” para que possamos estar mais disponíveis para os que precisam de nós e ser mais tolerantes com os que não pensam, trabalham ou produzem como nós; ou seja, para estarmos mais próximos dos que não “cheiram como nós”.

Não sei se Jesus Cristo cheirava bem, mas arrisco-me a dizer que não. Tenho, porém, como certo que optou sempre pelos que “cheiravam mal”, pelos excluídos, e que nunca se escusou a uma dificuldade ou a um desafio. Possamos, nós, líderes do século XXI inspirar-nos neste exemplo de liderança com mais de 2000 anos e começarmos a apreciar os “odores” que nos são menos agradáveis. É isso que me proponho fazer para poder continuar a procurar (sempre) ser um líder um pouco melhor.

Quem que fazer caminho comigo?

Este artigo de opinião foi escrito no âmbito da colaboração com o Link to Leaders

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