Um estudo realizado pelo grupo Lego a nível global sobre as tendências sociais que afetam a confiança criativa das crianças concluiu que a pressão para atingir a perfeição e o uso de determinadas palavras no dia-a-dia têm real impacto no desenvolvimento dos mais novos. Porém, as meninas são muito mais afetadas por uma pressão que as impede de desenvolverem plenamente o seu potencial criativo.
As conclusões não surpreendem a fundadora da Escola de Parentalidade e Educação Positivas, Magda Gomes Dias. “Este estudo vem colocar muita consciência na forma como nós criamos o ambiente da criança, o seu ambiente mental. Vem também colocar muito à tona a forma como nós próprios fomos criados. Muitas vezes impedimos os miúdos e os futuros adultos de serem quem poderiam vir a ser”, explicou em entrevista ao IOL. “É muito interessante que haja um estudo que venha confirmar algumas perceções que já tínhamos”, refere a especialista.
A mudança começa na linguagem: cuidado com o que diz às crianças
Este estudo vem revelar como uma adaptação da linguagem pode ajudar a construir um futuro mais promissor para as meninas. E está apoiado por um quadro com adjetivos que revela como as mensagens que chegam a meninos e meninas são diferentes. “Isto faz com que continuemos a perpetuar o cuidado, no lado da mãe ou da mulher, e a aventura, que está muito mais no lado do rapaz. Percebemos que, aos 3 ou 5 anos, as meninas já têm uma série de referências que as impedem que elas possam desenvolver outras apetências que nós encerramos no rapaz. E ao contrário também é verdade”, sublinha a especialista em parentalidade, que é também mãe de duas crianças é autora do blogue Mum’s the boss.
A boa notícia: ajustar a linguagem é possível e pode ter um impacto significativo, conclui o estudo da Lego. Os investigadores perceberam que o vocabulário diário desempenha um papel importante, inibindo as meninas de se expressarem livremente. Quase dois terços das meninas entre os 5 e os 12 anos revelam que as palavras que ouvem reforçam o medo de falhar, levando-as a evitar riscos e a procurar a perfeição.
Já deu por si a dizer coisas como “é mesmo à rapaz” ou “é mesmo menina, que querida”? É natural, tendo em conta tudo o que nos foi transmitido. Mas as conclusões deste estudo sobre o impacto desta comunicação com as crianças deverão ser argumentos suficientes para refletirmos sobre o que dizemos. Magda Gomes Dias chama a atenção: “existem determinados elogios que nós fazemos que encerram também algumas crenças. ‘O teu pai ver ter de comprar uma arma’ para se elogiar uma menina é um exemplo. Estamos a dizer: ‘tu sozinha não consegues defender-te e tu precisas de uma figura masculina para te defender’. Começa a construir na criança a ideia de ‘se eu sou bonita, eu sou frágil. Se sou uma coisa não posso ser outra’”.
Apesar de o estudo se focar muito nas meninas, a especialista em inteligência emocional, alerta para a forma como estamos a criar e a educar os rapazes.
No quadro que se segue, podemos verificar como alguns adjetivos são muito mais aplicados a meninas e outros a meninos:
33% masculino FIXE 18% feminino
29% masculino GENIAL 15% feminino
26% masculino INOVADOR(A) 15% feminino
22% masculino INTELIGENTE 17% feminino
37% masculino CORAJOSO(A) 17% feminino
8% masculino QUERIDO(A) 58% feminino
8% masculino BELO(A) 55% feminino
9% masculino BONITO(A) 54% feminino
9% masculino GIRO(A) 58% feminino
11% masculino LINDO(A) 45% feminino
15% masculino PERFEITO(A) 23% feminino
Confiança criativa das meninas começa a ser condicionada logo a partir dos 5 anos
Errar é fundamental e é a forma como o adulto reage ao erro da criança que define a sua liberdade criativa em adulto: “Quando nós enquanto adultos passamos a ver o erro como a melhor oportunidade para aprender, de facto, aí sim vemos que há margem de progressão. Pensamentos como ‘ainda não percebi, mas vou perceber, preciso que me expliquem melhor, falhei aqui, o que é que posso melhorar’ existem pouco na infância. A maior parte de nós só encontra esta tipo de pensamento quando começa a trabalhar e nos começam a pedir feedback”, salienta Magda Gomes Dias. A verdade é que a abordagem do ‘quem fez isto?’ continua a imperar nas nossas escolas.
E também a relação com o erro parece ser diferente entre meninos e meninas. Realizado em 36 países, este estudo da Lego recolheu dados de mais de 61.500 pais e crianças entre os 5 e os 12 anos e aponta para a necessidade de mudanças sociais que permitam às meninas alcançar as suas aspirações criativas e brincar sem limitações. De acordo com os investigadores, a confiança criativa das meninas começa a ser condicionada logo a partir dos cinco anos.
Neste grupo etário, três quartos (76%) das meninas sentem-se confiantes na sua criatividade. No entanto, essa confiança diminui com a idade, e dois terços delas relatam receios frequentes em partilhar ideias, exacerbados pelo medo de falhar (72%) e pela pressão para serem perfeitas. Os pais confirmam estas preocupações — 71% acreditam que, devido a estas pressões, as meninas acabam por evitar desenvolver as suas ideias.
Mais de 60% das meninas afirmam sentir-se pressionadas pelas mensagens de perfeição impostas pela sociedade. Embora esta seja uma preocupação comum a todas as crianças, tanto pais como crianças reconhecem que as meninas enfrentam pressões acrescidas para serem perfeitas e evitarem erros.
De acordo com o estudo, 80% das meninas afirmam que perderiam o receio de experimentar coisas novas se os erros fossem vistos como oportunidades de aprendizagem. Nove em cada dez acreditam que a sua confiança aumentaria se os adultos valorizassem o processo criativo em vez do resultado. Elogios como “imaginativa”, “corajosa” e “inspiradora” são os que as encorajam mais.
Na galeria acima, verifique os 10 passos para promover a confiança.
Para ilustrar os efeitos da linguagem, o grupo Lego lançou a curta-metragem More Than Perfect: