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Carlos Lopes foi campeão paralímpico, mas agora é na pista da vida que quer vencer

“Na vida, a necessidade de em cada momento sermos melhores, de nos esforçarmos, de nos ajustarmos e, com frequência, de competirmos também está presente. Para uma pessoa com deficiência, essa é uma realidade muito óbvia!”

Link To Leaders
14 jun 2023, 12:35
Carlos Lopes
Carlos Lopes

Carlos Lopes nasceu com uma deficiência congénita na visão, que foi perdendo lentamente, até ficar cego. Licenciado em Psicologia, pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, começou a praticar corrida em 1988, resolvendo dedicar-se à competição e tornando-se num dos melhores atletas do mundo nas provas de velocidade.

No seu vasto currículo constam quatro presenças nos Jogos Paralímpicos, onde conquistou quatro Medalhas de Ouro (nos 200m e 400m nos Jogos de 1992, e nos 400m e 4x400m nos Jogos de 2000) e uma Medalha de Bronze (nos 400m dos Jogos de 1996). Para além disso, foi Campeão do Mundo em 1990, 1994, 1999, 2003 e 2006, bem como 10 vezes campeão da Europa.

Em entrevista ao Link to Leaders fala do seu trabalho como psicólogo, das funções que desempenha enquanto Secretário-Geral do Comité Paralímpico de Portugal e de como se mantém ativo e envolvido com o desporto.

Depois de cinco participações em Jogos Paralímpicos a correr na pista, quais as aprendizagens que coloca em prática agora no dia a dia?

Penso que o muito que aprendi no desporto ao longo de 20 anos de treino e de competição está hoje bem presente no meu modo de ser e de agir. Entendo ser hoje uma pessoa focada na concretização de objetivos, com capacidade para distinguir o essencial do acessório, perseverante e resiliente, uma pessoa que aprecia os desafios e a superação e que compreende que as conquistas, salvo raras exceções, não são imediatas, mas sim pressupõem trabalho ao longo do tempo, e que, tal como na competição, cada dia é único e importante.

Despediu-se da competição há quinze anos nos Jogos de Pequim, deixando para trás uma carreira recheada de êxitos e durante a qual conquistou cinco medalhas paralímpicas e vários títulos mundiais e europeus. Ainda se emociona quando recorda esses tempos?

Emociono-me sempre que recordo as minhas principais competições porque nessas ocasiões consigo verdadeiramente voltar a experienciar o prazer físico e sensorial de correr, de correr bem e ganhar! Recordo os metros finais de uma prova, o esforço incrível para alcançar a meta e depois aquele abraço com o meu atleta-guia e a frase: ganhaste!

A competição em pista é muito diferente da competição do dia a dia?

Não, não vejo diferença. Unicamente na pista a competição é explícita! Na vida, a necessidade de em cada momento sermos melhores, de nos esforçarmos, de nos ajustarmos e, com frequência, de competirmos também está presente. Para uma pessoa com deficiência, essa é uma realidade muito óbvia! Sempre percebi que se queria ter uma vida melhor, então teria de me esforçar mais do que a maioria das pessoas para ultrapassar as múltiplas inacessibilidades e o estigma social.

Como se começa do nada e acaba-se no imaginário de toda a gente como um ídolo? Qual o segredo?

Trabalho, esforço, paixão e ambição! Julgo que, de um modo ou de outro, tendemos a admirar aqueles que se superam em razão do seu esforço e capacidades, seja no desporto, na música, na literatura, nas artes, etc. Sem falsas modéstias, ser Campeão Paralímpico hoje e, em especial, nos primeiros anos do desporto adaptado em Portugal, pressupunha uma enorme dose de resiliência, de carolice e de gosto pelo desporto! Sinto-me muito orgulhoso não apenas pelos meus resultados, mas também porque, tal como outros atletas de então, contribuímos para que o desporto paralímpico possa hoje ser perspetivado de um outro modo.

Como descobriu a paixão pelo atletismo?

Sempre gostei de correr! Em criança, ainda com alguma capacidade visual, fazia corridas comigo mesmo para bater o meu record de tempo de casa para a escola! Depois, mais tarde, já um jovem universitário e quase cego, fiquei entusiasmadíssimo quando me disseram que havia a possibilidade de praticar atletismo com o apoio de um atleta-guia. E mais, que existiam jogos paralímpicos, campeonatos do Mundo e da Europa para atletas com deficiência visual. Poucos meses depois de ter começado a minha carreira desportiva, já treinava de 2.ª-feira a sábado, cerca de 2 horas por dia.

Atualmente trabalha como psicólogo. Quem o procura para obter ajuda? Quais os temas mais dominantes nas pessoas que o procuram?

Estou atualmente integrado no Núcleo de Infância e Juventude do Centro Distrital da Segurança Social de Coimbra e, nesse contexto, faço avaliação e seleção de candidatos à adoção, proponho candidatos do distrito de Coimbra para a adoção de crianças de todo o país e presto assessoria ao tribunal de família e menores no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais para pais em situação de divórcio / separação. Pontualmente, colaboro com instituições de ensino superior ao nível da psicologia do desporto, realizo acompanhamentos individuais também no âmbito da psicologia do desporto e participo em ações de team building a convite de diferentes empresas.

Enquanto Secretário-Geral do Comité Paralímpico de Portugal, qual a sua missão?

Para além das funções estatutárias atribuídas ao Secretário-Geral do Comité Paralímpico de Portugal no âmbito da representação institucional nacional e internacional, tenho sob a minha responsabilidade a coordenação do Programa Paralímpico Paris 2024, a coordenação do Departamento Desportivo do Comité e a chefia de algumas delegações desportivas internacionais.

O que é preciso para que as empresas pratiquem mais a inclusão nos locais de trabalho?

Tão simplesmente acreditar intrinsecamente nas capacidades e no potencial das pessoas com algum tipo de deficiência. Uma vez aberta essa porta de oportunidade, julgo que a grande maioria das barreiras podem ser ultrapassadas!

Liderança no desporto e nas empresas: O que têm em comum?

Acredito que tudo! É certo que com as devidas adaptações, mas os princípios e os valores do desporto são facilmente transpostos para a liderança e para a gestão empresarial.

O que gostaria de ter realizado e ainda não teve oportunidade?

Boa pergunta! Se há uns tempos eu tinha objetivos muito concretos: terminar a licenciatura, ter um emprego, ter uma casa e uma família, participar e vencer nuns Jogos Paralímpicos, hoje sinto que sei bem o que quero e o que não quero, sinto que aprecio não apenas o alcançar da meta, mas também o caminho para lá chegar, sinto que quero continuar a crescer e que quero ser desafiado! Adoro viajar, ter experiências gastronómicas, ler um bom livro, ouvir uma boa música e, sempre, praticar atividade física!

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